Racismo reverso… oi?!

Justiça acata parecer do MP e torna réu homem que cometeu xingamento racista – um homem negro...
Charge sobre justiça e racismo: advogado ouvido em reportagem sobre caso ensina: “ofensa ou ação discriminatória aquela perpetrada contra pessoas ou grupo de pessoas historicamente marginalizadas; ninguém discrimina um europeu pelo fato de ele ser europeu”. (Foto: reprodução / ilustração)

Seria uma boa pauta para o CNJ – que está em Alagoas –, caso não estivesse com a agenda já preenchida pelo caso da Braskem.

Acatando parecer do Ministério Público – frise-se bem! –, a Justiça de Alagoas tornou réu um homem por injúria racial.

Mais um caso com o qual se indignar, com toda a justiça, por um dos mais infames crimes da nossa sociedade – da humanidade: o racismo.

Há, no entanto, uma série de “porém” que tornam o caso algo que não tem nada com que se aliar – aliás, muito pelo contrário: algo a ser objetado, porque se trata de uma aberração – social e jurídica, sobretudo (daí o quanto seria bom o CNJ já aproveitar e ver o que a justiça alagoana vem cometendo).

O homem tornado réu é negro e a “vítima” é não apenas um homem branco, mas, um branco europeu.

E antes que o leitor nos indague “como assim?”, apressemo-nos em explicar: o homem (o branco) alegou – o MP endossou e a Justiça acatou – a tese do chamado “racismo reverso”.

Ou seja, uma manobra filosófico-jurídica para inverter as coisas e tornar o descendente dos povos do continente que explorou a escravidão nos últimos séculos vítima do “inverso” do racismo.

Como bem citado na reportagem da jornalista Roberta Batista, do G1 Alagoas, o Ministério Público de Alagoas “se baseou na lei nº 14.532/2023, que diz que o crime de injúria racial é quando a ofensa atinge a dignidade de uma pessoa ou de grupos minoritários por sua raça, cor, etnia, religião ou procedência”.

Foi em função da raça ou cor?

Foi: o brasileiro “xingou” o italiano de “cabeça europeia e escravagista”.

Afora ser bem questionável ter algo de racista num suposto xingamento com tais termos, há um elemento inquestionável no próprio texto da lei: “quando a ofensa atinge a dignidade de uma pessoa ou de grupos minoritários”.

É, pelo visto – e pelos fatos –, os responsáveis por perpetrar essa “pérola” jurídica esqueceram do último termo para enquadras a questão: minoritário.

Convenhamos: existem poucas mais hegemônicas (e, portanto, menos minoritárias) que a Europa – de lançar modas aos avanços reais, para a sociedade, comportamento, conhecimento e dá-lhe etecéteras…

Para o Ocidente, o paradigma é de lá; exceto, claro, para quem almeja ir para a Disney.

Como igualmente bem colocado pela jornalista, que ouviu o ouviu o advogado Pedro Gomes, do Núcleo de Advocacia Racial do Instituto Negro de Alagoas (INEG-AL), “o juiz deve considerar como situação discriminatória, ofensa ou ação discriminatória aquela que é perpetrada contra pessoas ou grupo de pessoas que são historicamente marginalizadas”.

Por justiça – e falta de melhor e mais bem formulado argumento –, deixo também nas palavras do douto advogado o desfecho para esse raciocínio: “o juiz deve considerar como situação discriminatória, ofensa ou ação discriminatória aquela que é perpetrada contra pessoas ou grupo de pessoas que são historicamente marginalizadas”.

E: “a gente sabe muito bem que ninguém discrimina um italiano pelo fato de ele ser italiano”, acrescenta o advogado Paulo Gomes.

“Ninguém discrimina um europeu pelo fato de ele ser europeu”, enfatiza.

A semana começou com uma simbologia e tanto para essa discussão – que se mostra, infelizmente, cada dia mais atual: o aniversário de nascimento do reverendo Martin Luther Jr. – registrado no portal, na última segunda-feira (15).

Num país em que até a eleição de George W. Bush (2000) ainda havia estados que faziam a mensuração do nível de melanina de seus cidadãos (tipo para “medir” quem eram mais branco e quem era menos) e quer trazer de volta o nefasto Donald Trump, apenas Colombo e São Patrício (o patrono da maioria dos católicos estadunidenses) também merecem que seu aniversário de nascimento seja feriado nacional – a exemplo do revendo Luther King.

Contradições que a democracia permite?

Por ser, mas, é imperioso considerar que um dos elementos para essa contradição não deveria sequer mais existir – e por uma questão de evolução da sociedade.

A mesma Europa, tida como paradigma de sociedade, ao mesmo tempo que parabeniza o Seleção Brasileira (não a da amarelinha – que, para muitos brasileiros, virou estigma), por promover uma bela manifestação de maturidade e consciência de, por uma partida, deixar a cor que a imortalizou e a fez respeitada e temida – não nessa ordem – por adversários de todo o mundo, e jogar toda vestida na cor preta, para simbolizar o combate ao racismo, promove os atos da infâmia racista em estádios que motivam despender essa energia, que poderia ser revertida em outros objetivos – fora todos os sofrimentos ao jovem Vini Júnior.

Mas, dos mesmos EUA que prestam reverência a Luther King, Rosa Parks, Angela Davis e destacam Cornell West, vem o pastor evangélico Douglas Wilson, que defende, nada menos, que a escravidão “não foi tão ruim assim”.

E vem, literalmente: é o convidado para um evento de segmento evangélico sediado na Paraíba – como também noticiado pelo portal.

E que não nos enganemos: não se trata de exercer um direito ou interpretar escrituras.

Assim como deturparam a liberdade de expressão, propor excrecências como o tal “dia da consciência humana” ou coisa que o valha não é outra forma de pensar: é uma bem urdida estratégia de desfazer conquistas sociais, avanços da humanidade concepções evoluídas e engatar a marcha a ré, retrocedendo a conceitos, concepções e práticas que imaginávamos superadas, coisas do passado.

Bem, e a Justiça de Alagoas?

Enquanto na Europa e EUA, há contradições, aqui, pelo visto e pelos fatos, há “coerência” – com ironia e tudo.

Enquanto lá, vemos um lado e outro, aqui, os exemplos são: decretar prisão preventiva por crimes contra a honra (que, pelo tempo de pena, não são puníveis, sequer, com a chamada privação de liberdade – mas, como outras medidas), como no caso da jornalista Maria Aparecida; autorizar um político ficha suja a se eleger, se manter no mandato e chegar à Presidência da Mesa diretora da Câmara dos Deputados – sim, estamos falando de Arthur Lira (PP), sim –, comunicar com antecedência a notório mau pagador que suas contas serão bloqueadas – como fez o TRT de Alagoas, permitindo que assessores de Fernando Collor se mobilizassem, deixando na conta, enfim depois bloqueada, acintosos R$ 14,97 – e não ter se mobilizado ainda sobre o acordo da Braskem com a Prefeitura de Maceió, a aquisição do Hospital do Coração e o custeio de escola de samba do Rio de Janeiro.

Fora outras tantas que não cabem aqui.

O advogado ouvido na reportagem diz ser inexplicável “a promotora do caso propôs uma denúncia de injúria racial” – no caso da bizarrice do racismo reverso.

Com todas as vênias (como diz o jargão jurídico), pelo desplante deste em se pretender discordar do jurista, cabe-nos colocar: é um discordar mais que concordante – pelo visto, e pelos fatos, doutor, não se mostra tão inexplicável assim.

Leia também