Argentina: protestos convocados para esta quarta desafiam protocolo do governo Milei

Manifestantes recebem apoio de Nobel da Paz; insatisfação e tensão crescem desde posse e anúncios de medidas econômicas
Imagem do prédio do Congresso, em Buenos Aires: governo tenta diminuir poder de organizações que atuam como intermediárias no cadastro de beneficiários de auxílios sociais e que têm grande força de mobilização. (Foto: reprodução/ Cristina Sille/Reuters)

Organizações de esquerda e sindicalistas na Argentina marcaram para esta quarta-feira (20) o primeiro protesto contra a administração do presidente Javier Milei.

Para tentar esvaziar as manifestações, o governo do novo presidente baixou um decreto para tentar impedir que as pessoas obstruam as ruas, além de ameaçar cortar benefícios sociais de quem for pego fazendo piquetes nas vias.

A concentração está marcada para 10h, mas o ato principal, que deve ser uma caminhada da região do prédio do Congresso até a Praça de Maio, deve acontecer por volta de 16h.

Os movimentos de esquerda se mobilizaram para protestar contra uma série de medidas de contenção de gastos que a equipe de Milei implementou nos primeiros dias de governo (foram anunciados, entre outros atos, a diminuição dos subsídios para o consumo de energia e transporte público e a suspensão de obras públicas).

Segundo o jornal “La Nación”, há diversos grupos que participam da organização da manifestação. Alguns, como o Movimento Evita, são alinhados ao kirchnerismo (corrente política ligada à ex-presidente Cristina Kirchner); outros, como o Polo Trabalhador, não.

Na Argentina, essas organizações têm muita capacidade para mobilizar pessoas porque elas atuam como intermediadores da distribuição de benefícios do governo —da mesma forma que, no Brasil, os sindicatos rurais têm um acordo de cooperação técnica com o INSS, na Argentina essas entidades ajudam as pessoas a provar que se enquadram nos critérios para receber benefícios do governo.

Milei quer fazer uma auditoria nas organizações, que é uma forma de tentar restringir o poder de mobilização desses grupos. Durante sua campanha eleitoral, um dos slogans de Milei era “el que corta no cobra” (“quem corta não recebe”), para dizer que aqueles que bloquearem as ruas não receberão benefícios sociais.

O governo abriu uma linha telefônica para que beneficiários de programas sociais digam se estão sendo coagidos por esses grupos a participar da marcha.

Segundo o porta-voz da presidência, até a tarde de terça-feira foram recebidas 4.310 denúncias. O porta-voz afirma que os únicos que podem perder os benefícios são os que cortarem o trânsito ou agirem com violência.

As medidas para tentar conter os protestos

O governo de Milei vem sinalizando há dias que vai agir para evitar protestos de rua, especialmente se houver “cortes”, ou seja, se os manifestantes impedirem o fluxo de carros.

No dia 14 de dezembro, apenas quatro dias após assumir, foi baixado um novo protocolo de ordem pública que determinava que as forças de segurança federais vão liberar as vias públicas e, para isso, vão empregar “a mínima força necessária e suficiente e será proporcional à resistência (dos manifestantes”.

Na ocasião, a ministra de Segurança, Patricia Bullrich, disse que quem estiver na calçada não vai ter problema e que o direito à manifestação está garantido (até porque isso está na Constituição do país).

Quatro dias depois do anúncio do novo protocolo, o governo afirmou que vai tirar os auxílios sociais de quem interromper as vias de circulação durante as manifestações.

A ministra de Capital Humano, Sandra Pettovello, disse que “os únicos que não vão receber benefícios sociais são os que forem à marcha e fecharem a rua. O presidente já disse ‘quem fecha não recebe'”.

Bullrich afirmou que vai usar câmeras e drones para identificar quem são os “piqueteiros”, os manifestantes que fecharem as vias.

Uma pesquisa do Observatório de Psicologia Social Aplicada da Universidade de Buenos Aires aponta que 65% dos argentinos são favoráveis a proibir os piquetes. Foram ouvidas mais de 4.200 pessoas, entre 11 e 12 de dezembro.

Segundo um levantamento da consultoria Diagnosis Político divulgado pelo jornal “Clarín”, só em novembro de 2023 ocorreram 568 piquetes em todo o país. O recorde foi registrado em agosto deste ano: 882 interdições.

Marcha mantida, com apoio de Nobel da Paz

Os movimentos que organizaram a manifestação de quarta-feira afirmam que os atos estão mantidos.

Eduardo Belliboni, um dos líderes do grupo Polo Trabalhador, disse que vai haver milhares de trabalhadores nas ruas de Buenos Aires e de todo o país. “Os anúncios da ministra Pettovello seguem o mesmo caminho dos de Milei e das recentes ameaças de Patricia Bullrich, quando anunciou o protocolo de segurança: são um caminho de ataque, de ameaça aos trabalhadores desocupados, aqueles que recebem benefícios de programas sociais”, diz ele.

Adolfo Pérez Esquivel, argentino que recebeu o Nobel da Paz em 1980, assinou um pedido de habeas corpus coletivo para evitar a ameaça à integridade física dos manifestantes da marcha.

O texto afirma que as medidas do governo para conter as manifestações são ameaças ilegais que afetam a liberdade de ir e vir e a integridade física das pessoas.

Preparações para a manifestação

A ministra Patricia Bullrich afirmou que está coordenando com a prefeitura da cidade um plano para a manifestação.

Segundo uma reportagem do jornal “Clarín”, autoridades da capital, Buenos Aires, não estão de acordo, plenamente, com algumas das propostas de Bullrich, como a gravação em vídeo para identificar os manifestantes.

De acordo com o texto do “Clarín”, entre dirigentes da prefeitura há o receio de usar tecnologias como softwares de reconhecimento de rosto.

Forças do governo federal vão se mobilizar em grandes vias que dão acesso à cidade de Buenos Aires e em prédios públicos, como a própria sede do governo, a Casa Rosada, e o Congresso. A ideia é que a presença de agentes seja um elemento de dissuasão.

Região metropolitana

A cidade de Buenos Aires deve ser o centro das manifestações, mas também estão programados atos para municípios do entorno, o chamado “conurbano” (região metropolitana). Essa região é governada por Axel Kicillof, um kirchnerista, e o governo local já afirmou que não vai seguir o protocolo de Patricia Bullrich.

O principal secretário do governo local, Carlos Bianco, disse a uma rádio que o governo federal nem mesmo pediu para que a polícia da região metropolitana aplique o protocolo, mas que, se houvesse pedido, ele não seria atendido. “Não estamos de acordo com essas disposições (as regras). Esse protocolo criminaliza as manifestações”, afirmou ele.

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