STJ decide a favor de Collor, em julgamento presidido por homenageado de empresa de seu grupo

Advogado da emissora carioca diz que princípio da preservação da empresa está sendo desvirtuado – "quem está sendo preservado são os sócios"
Cerimônia em que Humberto Martins e Collor se cumprimentam e no julgamento dessa terça-feira (19): além dessa ocasião, presidente da Terceira Turma do STJ foi um dos homenageados em aniversario de emissora do grupo de mídia do atual preso da Lava-Jato – mas a proximidade não motivou questionamentos à condução dos trabalhos de Martins em corte superior que julgou caso envolvendo outra empresa de Collor. (Foto: reprodução)

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) repetiu algumas atitudes questionáveis de instância correspondente na Justiça de Alagoas, a Terceira Câmara Cível, analisando recurso contra decisão desta última, em julgamento nesta terça-feira (19).

O resultado foi o mesmo: o STJ negou o recurso e obrigou “a Globo a manter TV de Collor afiliada em Alagoas”, com o noticiou o portal UOL – em matéria repercutida por este portal.

Para além da diferença de esfera – da estadual para a nacional –, a decisão da corte superior teve um componente a mais de controvérsia.

Como este blog apresentou, ao citar que o julgamento caberia a esta turma do STJ, um dos componentes é próximo do sócio da empresa cujo processo estava sendo julgado, como, aliás, mostra a imagem que ilustra a matéria – antes, óbvio, de Collor ser preso, condenado no STF por corrupção e lavagem de dinheiro.

Além disso, Humberto Eustáquio Soares Martins tinha sido homenageado por uma das emissoras do grupo de mídia do Collor, a Organização Arnon de Mello (OAM).

Martins não apenas é integrante, mas é o presidente da Terceira Turma do STJ – e votou favorável às empresas de Collor, mantendo o contrato com a Globo pelos próximos cinco anos.

Outros aspectos chamam a atenção pelo tanto de questionáveis: a Globo contesta que a decisão do juiz Leo Denisson que deu a liminar inicial, atendendo as empresas de Collor e mantendo seu sinal com a emissora da OAM “arrastou” a emissora carioca para um processo em que sequer é parte envolvida.

Na recuperação judicial, o conglomerado nem mesmo é credor.

Outro questionamento: para pedir a liminar que manteve à força a afiliação, seria preciso dar entrada em outra ação, que tivesse a Globo na condição de ré – mas, que, por outro lado, lhe desse possibilidades de produzir defesa e o contraditório, e percorresse todas as fases de um julgamento em que se dá a chamada instrução processual.

Ou seja: dentro do processo da recuperação judicial, em que estão as empresas de Collor, de um lado, e seus credores, do outro, o juiz Leo Denisson concedeu a liminar envolvendo uma terceira parte: a emissora carioca.

É inevitável, de tão absurdo, a analogia com um clássico da literatura: com o personagem de Franz Kafka (Joseph K, “O processo”), “do nada”, sendo preso, julgado, condenado, sentenciado e executado sem sequer saber por quê.

De acordo com o advogado da Globo, Marcelo Lamego Carpenter Ferreira, a emissora de Collor não foi “surpreendida” – como alegou – pelo encerramento da sociedade:

“Havia um aditivo prevendo o fim do contrato”, disse, durante a sustentação oral, a parte dos julgamentos em que os advogados apresentam seus argumentos.

Segundo ele, o aditivo foi firmado “um ano e meio antes e às vésperas do encerramento”, empresas de Collor pediram a medida do juiz Leo Denisson “em caráter de urgência”.

“Não foi uma rescisão de contrato pela recuperação judicial”.

O advogado acrescentou que, mesmo que a emissora carioca assim decidisse, porque bem poderia, não foi um encerramento sem motivo.

“Poderia ser imotivada: é o interesse negocial e comercial das partes”, alegou.

“Mas, no caso específico, há uma motivação extremamente determinante: o principal acionista e o principal executivo da TV Gazeta foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção pelo uso da TV Gazeta como veículo para recebimento de verbas oriundas da corrupção”.

Advogado da Rede Globo, durante a sustentação oral no STJ: “inclusive, o próprio princípio da preservação da empresa está sendo desvirtuado aqui, porque a empresa não está sendo preservada – quem está sendo preservado são os sócios da empresa”. (Foto: reprodução)

Carpenter Ferreira questionou ainda a alegação de que a manutenção do sinal da Globo com a TV Gazeta é importante “para manter a viabilidade econômica da TV Gazeta”.

“Isso é falso”, alegou, perante os ministros do STJ.

E citou relatório do administrador judicial José Lindoso apontando cerca de R$ 160 milhões de gastos em mútuos para controladores sócios e administradores; “leia-se Fernando Collor de Mello e outras empresas”.

“Isso é quase o dobro do que se tem notícia do passivo da recuperação judicial; o que indica que o contrato com a Globo que, talvez gere R$ 2 milhões, ou R$ 2,5 milhões por mês, é absolutamente irrelevante para essa manutenção”, acrescentou o advogado.

“É um descalabro: não podemos fechar os olhos para uma recuperação judicial que não termina e não deve terminar nunca mais, porque enquanto o juiz da recuperação judicial mantiver a Globo, contra a sua vontade, vinculada a esse contrato, isso não terminará nunca mais: daqui a cinco anos, nenhuma dúvida de que teremos um novo pedido de renovação do contrato, uma nova extensão e ficaremos nós eternamente vinculados a esse contrato”.

Imagem da tela com a transmissão do julgamento de recurso em que a Globo questionou decisão do Tribunal de Justiça de Alagoas: além de manter o contrato à força por mais cinco, o STJ acolheu a alegação da preservação da preservação – contestada pela ministra Nancy Andrighi – e não houve qualquer questionamento à proximidade do presidente da Terceira Turma com Collor. (Foto: reprodução)

Carpenter Ferreira questionou a alegação de que o contrato “é essencial para o pagamento dos credores e para a solução da crise da TV Gazeta, porque ela não solucionou sua crise e continuará não solucionando enquanto seus sócios e administradores recebem milhões em mútuos que não são pagos”.

“Inclusive, o próprio princípio da preservação da empresa está sendo desvirtuado aqui, porque a empresa não está sendo preservada – quem está sendo preservado são os sócios da empresa”.

O ministro-relator do caso, Ricardo Villas Bôas Cueva, foi contrário à renovação, mas, além de Martins, votaram a favor das empresas de Collor o ministro Moura Ribeiro e a ministra Daniela Teixeira.

A ministra Nancy Andrighi votou com o relator.

A proximidade com Collor poderia ser motivo para Humberto Martins alegar sua suspeição e não participar do julgamento, ou para que o advogado de uma das partes o fizesse; no caso, o representante jurídico da Rede Globo.

Como não o fez – e Humberto Martins não achou impedimento nenhum em sua condição –, questionamentos à sua presença entraram na condição definida no universo jurídico como preclusão: não pode mais ser levantada.

Argumentos

A Globo pode entrar com um embargo de declaração ainda ao próprio STJ: um último recurso, em que a parte considerada prejudicada num julgamento pede que “sejam esclarecidas o que considera como eventual omissão, obscuridade ou contradição do julgado”.

Mas, conforme jurista consultado pelo espaço, as possibilidades de reverter o resultado são praticamente.

Outra possibilidade é fazer um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), questionando pontos que consideraria violações à Constituição.

Mas, vale lembrar que o recurso julgado nessa terça-feira (19) é o terceiro encaminhado às cortes superiores pela Rede Globo contra da decisão: este foi apenas o que seguiu o caminho mais rápido.

Há outro ainda para julgamento no próprio STJ e um para o Supremo Tribunal Federal.

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