Está se afogando? Tome, segure isto – pesa só meia tonelada

Terceira Câmara Cível do TJAL dá 30 dias para juiz do caso das empresas de Collor fazer o que deveria ter feito há três anos
A sede das empresas e o então presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt: para ele, o contrato entre uma das empresas de Collor e a Rede Globo é bem de capital (como o são prédios, equipamentos e veículos); a jurisprudência diz o contrário – a Globo pediu anulação da medida, Bittencourt é o atual presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas. (Foto: reprodução)

A Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas deu prazo de trinta dias para o juiz da 10ª Vara da Capital, que tem como titular Erick Costa, decida se homologa ou não o plano de recuperação judicial apresentado pela Organização Arnon de Mello (OAM).

No mesmo julgamento, o órgão especial deu quinze dias para o mesmo juiz convocar uma assembleia visando escolher um comitê de credores para fiscalizar a empresa.

Julgamento esse marcado por uma peculiaridade: em vez de realizado no plenário do TJ, como é comum, ou em outro auditório, se deu inteiramente por videoconferência, com os desembargadores Paulo Zacarias e Orlando Rocha, presentes ao tribunal, supostamente em seus gabinetes, e a desembargadora Elisabeth Carvalho em outro local.

Apenas um grupo de credores foi autorizado a entrar: as não mais que quatro pessoas ficaram confinadas numa sala de onde acompanharam o transcorrer da sessão por um monitor.

Ainda que possam soar como medidas de força da instância mais alta do Judiciário de Alagoas, as decisões do julgamento, para quem tem acompanhado o desenrolar das manobras e ardis das empresas de Collor apontariam mais outra direção – bem distinta, aliás.

Estão mais para a confirmação de que continua mais atual do que nunca a máxima, conhecida até por encostos e assentos de cadeiras, capas e folhas de livros de cursos de Direito: “aos amigos tudo; aos inimigos, a lei”.

Aliás, os já numerosos julgamentos enfrentados pelos credores trabalhistas de Collor mostram que a máxima se aplica tanto ao que lei tem de rigorosa quanto ao que tem de detalhista – no popular: as brechas da lei.

O recurso dos credores foi protocolado antes do da Rede Globo, que contestava outros pontos, porém, dentro do mesmo processo da recuperação judicial.

A emissora carioca contestava liminar do então juiz da 10ª Vara, Leo Denisson de Almeida, que a obrigou a se manter sócia de Collor em Alagoas sob o argumento apresentado pelos advogados da OAM de que o fim da sociedade levaria o grupo de comunicação local à falência – embora não conseguisse explicar como uma empresa que se diz mal das pernas financeiramente paga R$ 67 mil a seu diretor-executivo, Luís Amorim.

Foi no julgamento desse recurso que o então presidente da Terceira Câmara Cível, Fábio Bittencourt, deu voto favorável às empresas de Collor de que a sociedade era bem de capital, contrariando o entendimento de todos os tribunais sobre o tema, a chamada jurisprudência.

E contrariando voto dele mesmo, em outro julgamento.

Bittencourt é hoje presidente do TJ – razão pela qual não atuou no julgamento dessa quarta-feira (12).

Reportagem do jornalista Carlos Madeiro, colunista do UOL, trouxe que a Rede Globo protocolou recurso para o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Hermann Benjamim contra essa decisão do Tribunal de Justiça de Alagoas, dada em junho.

Ironicamente, o recurso é baseado numa lei sancionada por Collor, antes de ser enxotado da Presidência, pelo impeachment.

“Diante disso, a Globo solicita que Herman derrube o acórdão do TJAL e a autorize a romper com a TV do ex-presidente até o julgamento dos recursos que já interpôs no mesmo STJ e no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão em Alagoas, mas ainda não foram julgados”, diz trecho da reportagem do colunista, que conseguiu acesso ao recurso – mesmo com os autos sob segredo de Justiça.

“Nesses recursos, a Globo alegou que o judiciário alagoano descumpre leis”, cita a reportagem do colunista do UOL – e replicada pelo portal.

“A situação lesiva é objetiva, patente, concreta e gravíssima”, enfatiza.

“O principal argumento para desfazer a parceria é que a TV Gazeta é controlada por pessoas ‘já condenadas pelo STF por corrupção praticada na prestação do serviço público’, caso de Collor”, acrescenta a matéria do UOL – referindo-se ao serviço de rádio e teledifusão.

“No julgamento que condenou Collor a oito anos de prisão, os ministros do STF levaram em conta que a TV Gazeta foi usada para receber recursos desviados, advindos de corrupção de uma subsidiária da Petrobras na qual o ex-presidente tinha influência”, cita trecho seguinte da reportagem do colunista.

Recurso dos credores

As decisões no julgamento desta quarta foram dadas em recurso movido por ex-empregados de alguma das empresas de Collor, questionando vários pontos do plano em que o grupo de comunicação alega tentar se reequilibrar financeiramente, garantiu-lhe uma poderosa blindagem ao longo desse tempo, mas que várias irregularidades apontam para ser, na verdade, mais uma manobra visando dar um calote nos credores trabalhistas.

Irregularidades que motivaram, inclusive, abertura de inquérito policial.

Reportagem do portal ÉAssim, assinada pelo jornalista Wagner Melo, relacionou os pontos reivindicados pelos credores na apelação ao órgão especial do TJ.

Um dos pedidos era a anulação da Assembleia Geral de Credores (AGC) porque o advogado Felipe Medeiros Nobre, detinha 120 procurações.

O documento pelo qual uma pessoa se faz representar por seu advogado, em si, não traz nenhuma irregularidade – não fossem por alguns pontos: as procurações foram obtidas mediante oferta de pagamento consideradas abusivas (com deságio elevado, entre outros), Felipe Nobre tinha sido advogado das empresas e, ainda que estivesse representando os credores votou contra os interesses deles, atitude que se configura patrocínio infiel (cabível de punição não só pela OAB como pela legislação).

Outro pedido era a anulação especificamente desses votos do advogado Felipe Nobre, apontados pela defesa dos credores como viciados, pela forma como foram obtidas as procurações.

Advogado ouvido pelo jornalista Wagner Melo citou o argumento dado pelos desembargadores para derrubar o pedido: “eles entenderam que não tínhamos legitimidade para questionar a legalidade das procurações dadas ao Felipe Nobre, porque nenhum dos credores que assinou o agravo foi representado por ele”.

Ainda que tenham sido prejudicados pela assembleia, que por sua vez, teve seu quórum viciado pela forma como as procurações foram obtidas, as tais brechas na lei embasaram a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas a refutar o apelo dos credores.

No mesmo recurso, eles pediram ainda a “anulação das mediações, que resultaram na acumulação de 120 procurações para Felipe Nobre votar contra os interesses da classe trabalhistas na assembleia”, como cita a reportagem.

“Entenderam não ter nenhuma irregularidade”, informou o advogado ouvido pelo jornalista.

“Porque disseram que os direitos são disponíveis e podem ser negociados pelas partes livremente”.

Neste caso, os trabalhadores vão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sobre as cláusulas nulas apontadas no plano aprovado em assembleia – novamente conseguidas pela manipulação das procurações –, a posição dos desembargadores foi a seguinte: “eles disseram que não poderiam julgar esse pedido porque o juiz no primeiro grau ainda não homologou o plano de recuperação judicial”.

Para não ficar um 7×1 muito escancarado, os desembargadores intimaram o juiz da 10° Vara Cível para, no prazo de 30 dias úteis, homologar ou não homologar o plano.

A Terceira Câmara Cível mandou que o juiz faça em trinta dias o que deveria ter sido feito há, no mínimo, quatro anos e que convoque uma assembleia.

Esta não seria mais para apreciar o plano de recuperação judicial das empresas de Collor, mesmo repleto de irregularidade – mas, no qual os desembargadores não viram nada de errado.

Seria para escolher um comitê para fiscalizar a empresa.

Porém, sem impor nenhuma condição de que a empresa não venha a usar do mesmo expediente que foi questionado no julgamento desta quarta.

O blog procurou o Tribunal de Justiça questionando alguns pontos no julgamento.

Um deles foi se o tribunal levou em consideração as supostas mediações propostas pela empresa, mesmo que não houvesse a figura crucial num processo como esse: um mediador.

Outro ponto indagado foi não levar em conta que os credores se encontravam, para este e outros pontos, esgotados financeira e emocionalmente, pela demora (com a qual a própria Justiça foi conivente, no âmbito de primeiro grau).

Circunstância essa que configura uma condição de desequilíbrio e injustiça flagrantes.

Questionou ainda a condição do advogado Felipe Nobre deter as 120 procurações, obtidas de modo irregular; que, por tudo o que a instância de primeiro grau já concedeu no processo de recuperação judicial das empresas de Collor, se não seriam uma temeridade repassar-lhe a atribuição de homologar um plano com tantos pontos notadamente irregulares e até indícios de crimes falimentares e, por fim, a condição de confinados dos credores; “tolhendo-lhes o direito de mostrar sua legítima presença”.

Até o fechamento desta reportagem, no fim da noite desta quarta-feira (12), não houve retorno.

Pelo exposto, o blog questionaria: alguma dúvida de que, mesmo com todas as irregularidades, o plano será homologado?

Vale lembrar que parecer do Ministério Público, de 2022, recomenda o afastamento de gestores das empresas e do administrador judicial, José Luís Lindoso, entre outras medidas.

Em vez de já adotar alguma delas, na prática, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas repassou aos credores a obrigação de se mobilizarem para não serem passados para trás novamente.

Afinal, aos amigos, tudo…

Alguma dúvida de que haverá alguma manobra para obter um voto “impresso e auditável” no processo de escolha do tal comitê?

Entre os credores há diretores da própria gestão atual do grupo de comunicação: segundo recurso da Globo, movido contra a decisão de 2024, administração responsável pela atual situação de vulnerabilidade financeira das empresas – se é que existe, uma vez que seus integrantes estão nos postos há cerca de vinte anos.

As brechas na lei: essas pessoas podem se candidatar a integrar o comitê de credores – só não devem fiscalizar a si mesmos.

Ah! Mas os desembargadores deram ganho num ponto…

Parafraseando um dos integrantes da defesa dos credores trabalhistas, é como se a concessão da Justiça não viesse da soma dos argumentos baseados, de um lado, nos dispositivos previstos na lei e, do outro, no apelo à humanidade, equilíbrio e coerência que devem ser inerentes aos julgadores.

Mas, viesse como prêmio de alguma dessas provas de resistência do enredo de um reality show.

Quem conseguir boiar por mais tempo recebe – algo de meia tonelada para segurar.

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