O espaço reproduz texto publicado no portal 082 Notícias acerca da faixa verde da avenida Silvio Vianna.
O blog do historiador e jornalista Geraldo Majella dá uma contribuição para além da crítica ou do registro factual do vaivém de decisões sobre o pode-não-pode estacionar – no momento, após decisão do presidente do Tribunal de Justiça, Fernando Tourinho, não pode.
O blog de Geraldo Majella traz texto de especialistas nos assuntos relacionados ao tema, em especial um dos se constituem em preocupação do momento, quando se fala em convívio urbano: mobilidade.
O texto, de autoria do professor da Ufal (e um dos colunistas do portal) relaciona nada menos que 14 problemas criados com a restrição do espaço para estacionamento.
E – como dissemos – como não é crítica pela crítica, mas, uma análise baseada em dados técnicos, o texto cita os exemplos nos quais se baseou a Prefeitura de Maceió para implantar a medida; no que faz até uma ressalva importante, de mérito à iniciativa.
Pela falta de diálogo popular, a medida pôde parecer a muitos uma mera precipitação de gestores, mas, como faz justiça o professor, se baseou em iniciativas adotadas em São Paulo (cá para nós, não tanto um grande exemplo nessa área), mas, também, em Copenhage e Munique.
Segue o texto:
Por Dilson Ferreira*
O relatório do Departamento Municipal de Transporte e Trânsito (DMTT) sobre a Faixa Verde em Maceió apresenta um projeto com a intenção de promover a mobilidade ativa e ampliar o uso democrático do espaço público. Isso é importante e todos concordamos.
No entanto, uma análise técnica criteriosa, sob a ótica do urbanismo, revela lacunas estruturais, ausência de estudos essenciais e inconsistências que colocam em risco a funcionalidade do projeto, sua aceitação social e os objetivos de inclusão de mobilidade ativa.
Afinal mobilidade é tema universal.
O estudo possui lacunas em prever impactos negativos em vias adjacentes, negligencia a acessibilidade universal para todos maceioenses e carece de integração modal com ciclovias, calçadas e transporte público, o que o distancia das melhores práticas urbanas mundiais e premissas observadas nos exemplos citados no próprio relatório.
Vamos à análise.
Fiz uma Análise Técnica de Pontos Essenciais para o estudo:
Impactos no Tráfego das Vias Adjacentes:
O redirecionamento do tráfego para vias paralelas, como a Rua Epaminondas Gracindo e a Jangadeiros Alagoanos, foi insuficientemente analisado.
Ausência de simulações avançadas de tráfego:
O relatório não incluiu simulações robustas para prever o impacto da redistribuição do tráfego, especialmente em horários de pico e períodos sazonais de alta demanda turística como estamos vendo agora.
Capacidade viária subestimada:
A Epaminondas Gracindo já opera em nível de serviço com alto fluxo de veículos (inclusive com caminhões graneleiros do Porto, caminhões de combustíveis e muito ônibus de turismo, além de carga e descarga dia hotéis).
Estimo pelo cenário apresentado que será ainda mais sobrecarregada com as pessoas estacionando nas vias paralelas, levando a congestionamentos frequentes e aumento dos tempos de deslocamento nesta via paralela a orla. Por tal motivo sugiro simulações robustas de tráfego, inclusive de transporte público.
Falta de rotas alternativas:
Não houve planejamento de rotas alternativas ou reconfiguração de fluxos das vias que reduzam a pressão nas vias adjacentes.
Por tal motivo simular é importante antes de executar um projeto viário. Isso é básico da engenharia de transportes e mobilidade. A simulação prevê cenários para ajustar o projeto.
Gestão Semafórica e Sinalização:
Semáforos desatualizados: não foram implementados semáforos inteligentes na região, ou ajustes sincronizados que otimizem o fluxo redistribuído conforme os horários.
Pelo menos não vi nada neste sentido.
Ausência de campanha e sinalização de orientação em toda a área de influência direta e indireta:
A falta de placas claras e específicas de que ali é área de faixa verde para motoristas e pedestres, nas vias adjacentes e na orla, aumenta os riscos de acidentes e agrava a confusão nas vias redistribuídas.
Este estudo de sinalização específica da faixa verde precisa ser realizado de forma mais educativa.
Retirada de Estacionamento
A remoção das vagas de estacionamento na orla foi feita sem a criação de alternativas adequadas, especialmente para idosos, autistas, mães com crianças, pessoas com mobilidade reduzida e outros grupos sensíveis.
Nem mesmo para profissionais de aplicativos de entrega ou de transporte por aplicativo.
Esqueceram que ali é área residencial, comercial e hoteleira e alguns serviços são essenciais pelo menos para embarque e desembarque.
Impacto econômico no comércio local:
Falta de estudo de viabilidade econômica para os Restaurantes, bares e outros estabelecimentos.
Não se observou o risco de estabelecimentos perderem clientes devido à falta de acessibilidade.
Os últimos dados e pesquisas já mostram o impacto negativo. Isso é básico em qualquer estudo urbano, ou seja a viabilidade social, econômica e ambiental do projeto.
Dificuldade de acesso para grupos vulneráveis:
Turistas, famílias e pessoas com mobilidade reduzida enfrentam barreiras para acessar a orla, mesmo pelas ruas adjacentes.
Observando a distância para ruas próxima chefa a 100 metros. Imagina uma pessoa idosa ou uma pessoa com mobilidade reduzida, enfrentar calçadas desniveladas e todo tipo de barreira urbana para acessar a faixa verde?
Então esse hiato, entre a faixa e o transporte público não entrou no estudo, ou seja, a conectividade não foi estudada?
Falta de Conectividade adequada com o Transporte Público e ruas adjacentes:
Problemas na Integração
Paradas de ônibus distantes:
As paradas localizadas nas vias paralelas a orla estão desconectadas da Faixa Verde, sem infraestrutura acessível que conecte os dois espaços.
Não há calçadas adequadas e existe muita barreira urbana no caminho.
O ponto de ônibus mais próximo chega a 198 metros da faixa verde.
Falta de infraestrutura conectiva:
Não há calçadas niveladas, rampas ou sinalização contínua que facilite o deslocamento seguro entre o transporte público e a orla.
É importante destacar que as principais leis e normas sobre acessibilidade no Brasil são fundamentais para garantir inclusão social e igualdade de direitos.
A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) assegura acessibilidade em todas as áreas, enquanto a Lei da Acessibilidade (Lei nº 10.098/2000) define critérios para espaços urbanos e transporte. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) exige sinalização acessível e vagas prioritárias. Complementando, a ABNT NBR 9050/2020 estabelece parâmetros técnicos para tornar espaços públicos acessíveis. Embora citadas no relatório elas na prática não estão inclusas plenamente no projeto. Isso é uma falha.
Exclusão do direito a mobilidade:
A ausência de integração adequada com o transporte público com o projeto exclui pessoas que dependem exclusivamente desse modal para acessar a praia.
Um projeto não estudado, por mais bem intencionado que seja pode por falta de estudo ter efeito contrário.
Turistas sem transporte próprio:
A falta de conexão direta com ônibus ou outros modais de transporte reduz a atratividade turística da região, pois os carros de aplicativos não possuem local para parar para embarque e desembarque.
Acessibilidade Universal:
A NBR 9050 estabelece que a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida deve ser uma prioridade em projetos urbanos.
O projeto da Faixa Verde falha em atender esses critérios, apesar de citar normas de mobilidade e acessibilidade, na prática não existem.
Ausência de rampas adequadas: não há rampas que conectem as vias paralelas, a Faixa Verde e a praia, dificultando o acesso de cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.
Falta de pisos táteis:
A ausência de pisos em alguns pontos direcionais compromete a navegação segura de deficientes visuais.
Desconsideração de grupos específicos:
Pessoas autistas: não foram criadas áreas sensorialmente amigáveis nem vagas para embarque e desembarque.
Idosos:
A distância excessiva e a falta de áreas de descanso entre a faixa e as vias adjacentes tornam o deslocamento inviável e até arriscado.
Exemplos Internacionais Citados no Relatório da DMTT:
O relatório menciona intervenções bem-sucedidas em cidades como Copenhague, Munique e São Paulo.
Esses exemplos demonstram a importância de estudos detalhados e planejamento integrado, que faltam no caso de Maceió.
O caso de Copenhague, Dinamarca
Lá: estudos de origem-destino mapearam as necessidades de pedestres e ciclistas, e a integração modal foi prioridade nas faixas de CAMINHABILIDADE.
Aqui: não há dados sobre o perfil dos usuários, e a integração com transporte público e a CAMINHABILIDADE é inexistente.
O caso de Munique, Alemanha
Lá: simulações avançadas possivelmente foram realizadas e ajustes semafóricos garantiram a redistribuição eficiente do tráfego.
Aqui: não foram realizados estudos robustos de impacto no tráfego com simulações computacionais de carregamento das vias, e a gestão semafórica sequer foi citada no relatório.
O caso da Rua Joel Carlos Borges, São Paulo
Lá: Urbanismo tático e testes preliminares permitiram ajustar o projeto antes da implementação definitiva. Houve diálogo com a população.
Aqui: O projeto foi implementado sem consultas públicas ou testes iniciais, resultando em problemas estruturais e muita resistência local.
Sugestão de Estudos Necessários para Complementação do projeto:
Simulações de Tráfego:
Considerar cenários sazonais e horários de pico em todo perímetro e áreas de influência.
Avaliar o impacto da redistribuição do tráfego nas vias adjacentes e propor soluções para minimizar congestionamentos.
Estudos de Origem-Destino (se possível) e de sobe e desce do transporte público:
Mapear a quantidade e o comportamento de pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. Planejar conexões diretas e seguras entre os modais.
Análise de Impacto Econômico:
Avaliar os efeitos sobre o comércio local devido à retirada de vagas e à falta de acessibilidade.
Propor medidas mitigadoras, como zonas de carga e descarga específicas.
Planejamento de Infraestrutura:
Garantir conformidade com as leis de acessibilidade, instalando rampas, pisos táteis e áreas de descanso.
Criar conexões acessíveis entre transporte público local das vias adjacentes, bem como das ciclovias e a Faixa Verde.
Proibição de tráfego pesado de caminhões em todo perímetro da orla e ruas adjacentes nos horários de pico de trânsito.
As faixas verdes flexíveis poderiam ser estacionamento em determinados horários do dia e da noite.
Muitas cidades como Nova York fazem isso, dando flexibilidade só espaço urbano.
Como urbanista eu faria algumas recomendações Técnicas
Planejamento Viário:
Realizar ajustes semafóricos e implementar semáforos inteligentes nas vias redistribuídas após a orla, criando alternativas de escoamento.
Criar rotas alternativas para aliviar congestionamentos. Estudos locais de mobilidade com pequenas intervenções.
Quanto a Infraestrutura de transporte público:
Realocar paradas de ônibus dimensionadas e adequadas próximas à Faixa Verde criando rotas seguras e rápidas para pedestres conectarem a praia.
Criar bolsões de estacionamento próximos à orla, com vagas reservadas para pessoas com mobilidade reduzida e grupos sociais sensíveis, além de paradas para táxis, entregadores e motoristas de aplicativo. Poderia inclusive criar estacionamento rotativo e faixas azuis distribuídos em pontos nas vias adjacentes.
Quanto a Mobilidade Ativa:
Conectar a Faixa Verde a uma rede cicloviária contínua e calçadas acessíveis.
Garantir acessos adaptados à praia para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.
Reflexão final:
Essa foi a primeira impressão lendo o estudo da DMTT.
A Faixa Verde, em sua configuração atual, falha em atender critérios técnicos e sociais essenciais, comprometendo sua funcionalidade e inclusão.
A ausência de estudos detalhados, como simulações de tráfego e análise de impacto econômico, somada à falta de acessibilidade universal e integração modal com quem usa transporte público, torna o projeto inadequado e excludente.
Para que alcance seus objetivos, é imprescindível uma revisão técnica rigorosa, inspirada nos exemplos internacionais citados, garantindo que o projeto seja funcional, inclusivo e alinhado às necessidades reais de Maceió.
Essa é minha contribuição para esse debate.
Mobilidade é ciência e participação social.
Outra coisa básica: “mobilidade precisa de transporte público próximo para substituir outros modais como motos e carros”
Ninguém é contra mobilidade, somos contra imposições autocráticas sem debate e estudos urbanísticos.
Quem mora e depende da cidade precisa ser ouvido.
*É arquiteto, urbanista e professor da Ufal