Celeridade, sim – mas, para retardar ainda mais

Até o Bradesco se manifestou, nesta quarta-feira (18), sobre a demora no plano de recuperação das empresas de Collor
Sede das empresas de Collor: há mais de um ano, credores protocolaram pedido à Justiça – e nada; há uma semana, empresas pediram para fazer nova rodada com propostas de pagar ex-empregados com deságio; e foi atendida. (Foto: reprodução)

O passo arrastado da recuperação judicial (RJ – processo em que as empresas de Collor alegam tentar evitar a falência) tem mostrado servir a diferentes propósitos, porém, bem distantes dos previstos em lei.

E reforça a blindagem, a função de escudo, que deu à Organização Arnon de Mello (OAM) para manter as coisas como estão – e até para enfrentar empresas poderosas como a Rede Globo e o Bradesco, que nesta quarta-feira (18) fez manifestação oficial no processo, igualmente reclamando da demora.

A alegação da maior instituição financeira do setor classificado como “varejo” nesse ramo da economia é de que o plano foi aprovado por todas as classes de credores em 2022.

Mas, ainda não começou a ver a cor do dinheiro que também tem a receber das empresas de Collor.

Motivo: entre os complicados mecanismos desse processo (e que também têm sido usados pelas empresas), além da aprovação, a recuperação judicial precisa, também, ser homologada.

A homologação é uma espécie de confirmação, em caráter final, e que cabe ao juiz – no caso, o titular da 10ª Vara Cível da capital (onde tramita o processo).

Medida essa que, a exemplo de praticamente tudo o mais que leve as empresas de Collor a honrarem o que devem, vem se dando a passos bem lentos.

Agilidade mesmo se vê apenas em decisões que produzem efeito contrário, adiando, retardando as de cunho concreto: a principal delas, o pagamento a quem de direito.

Em relação ao caso da Globo, por exemplo, já é pública e notória a questionável decisão do Tribunal de Justiça de Alagoas de manter, à força, uma relação entre sócios, sob a alegação de que esta se trata de bem essencial.

A jurisprudência (no popular, o consenso na justiça brasileira) aponta exatamente para o contrário: só se enquadram como bens essenciais os elementos concretos (prédios, equipamentos e outras instalações) e não relações abstratas como as que estão num contrato de sociedade.

Conforme pessoas que acompanham o caso, ouvidas pelo espaço, para as empresas – e para o próprio Collor –, a RJ serve para manter tudo como está, em especial, para retardar o pagamento de credores trabalhistas, ou, até não pagar, aplicando-lhes um descarado calote, bem debaixo dos olhos das autoridades.

O ardil de jogar com o tempo – ou em sequer ganhar tempo; pois isso implicaria em tomar alguma atitude, ao final – já foi denunciado pela defesa de um grupo de credores trabalhistas, o mesmo em que está a profissional que conseguiu ganhar na Justiça os valores a que tinha direito, penhorados do patrimônio não das empresas, mas da atual mulher Collor, Caroline.

A jornalista deixou Alagoas e mudou de profissão, depois de receber os cerca e meio milhão de reais a que tinha direito.

Trecho do pedido protocolado por representantes jurídicos dos credores trabalhistas: recuperação judicial, no caso das empresas de Collor, tem servido para deixar tudo como está. (Foto: reprodução)

A defesa desse grupo de credores alegou, com vários elementos, em documento protocolado à Justiça, que as empresas não dão sinais de recuperação financeira, mantém o sinal da Globo e, literalmente, vão levando as autoridades “na conversa”.

E, mais recentemente, com um agravante: sequer os bens já penhorados de Collor são encontrados para leilão ou adjudicação (passar às mãos dos credores, para serem vendidos e, com o saldo, pagar a quem de direito).

Como também demonstrado por este espaço.

Oficiais de Justiça de São Paulo e no Distrito Federal não têm conseguido localizar veículos e o próprio Collor, para ser notificado das medidas que lhe impostas.

E o tempo do arrastado processo – mais de cinco anos – é o argumento mais forte do argumento de que afinal, para que serve a recuperação judicial da Organização Arnon de Mello.

A lei estabelece que uma RJ não pode passar dos anos.

“Ah! Mas, a justiça é lenta, no Brasil”, haverá de alegar alguém – e com razão.

Ao que se pode contra-argumentar: lenta para quem?

Outro trecho do pedido feito à Justiça: após quatro anos desde que recuperação judicial foi decretada, que mudanças proporcionou? Na prática, mecanismo tem servido apenas como blindagem, escudo para as empresas de Collor. (Foto: reprodução)

Há cerca de uma semana, advogados das empresas de Collor pediram ao juiz do caso autorização para fazer mediações: apresentar diretamente aos credores trabalhistas suas propostas de pagamento – condição que trará perda significativa para os ex-empregados.

As perdas estão nos chamados deságios, na prática, descontos do valor total e permitidos por lei; um dos mecanismos que servem como outro argumento de que a recuperação judicial concedida pela Justiça para as empresas de Collor foi mais do que vantajosa.

A autorização para essas mediações foi concedida – e a rodada mais recente das propostas de pagamento já realizada nessa terça-feira (17).

No entanto, outro pedido ao mesmo juiz, feito – desta vez, pelos credores trabalhistas, por intermédio de seus defensores legais – aguarda uma decisão há mais tempo; há bem mais tempo, aliás: foi protocolado em 4 de dezembro de 2023.

Um dos pedidos era para o afastamento da direção das empresas.

E por questões óbvias: se as empresas estão mal das pernas financeiramente, foi por uma má gestão – os gestores são os mesmos há pelo menos dez anos.

A desfaçatez (para não usar termo como “desaforo”) da parte das empresas para com as cobranças do Judiciário também foram lembradas no documento: em março de 2023, a justiça deu prazo de 15 dias para prestarem explicações sobre os empréstimos feitos aos sócios.

Parecem documentos diferentes, mas as justificativas para empréstimos aos sócios (sob o regime de mútuo – operações que não passam por instituições financeiras) têm supostamente três anos de diferença entre si: no mínimo, desfaçatez para com a justiça. (Foto: reprodução)

Os representantes da OAM pediram prazo maior: 30 dias, alegando que as informações se referiam a um período de cerca de trinta anos e distribuídas por três tipos de bases de dados diferentes.

A cobrança só voltou a ser feita em setembro daquele ano, quando a justiça deu prazo “impreterível” de 15 dias para que as explicações lhe fossem dadas.

As empresas, então apresentaram um único documento, sem sequer firma reconhecida – o que levou a defesa dos credores a questionar: mas, não eram documentos distribuídos por três décadas?

Sobre esse pedido de afastamento da direção das empresas, feito pelos credores – em dezembro de 2023 –, com base em tantas irregularidades, a justiça ainda não se manifestou.

Em outra passagem da petição, credores apontam irregularidades em documentos apresentados para justificar operações questionadas – é como são tratadas as cobranças da justiça pelas empresas de Collor. (Foto: reprodução)

Mediação sem mediador

Jurista que acompanha o caso, ouvido pelo espaço, explica que as rodadas para apresentação de propostas de pagamento aos credores trabalhistas, feitas pelas empresas de Collor, não podem ser chamadas de mediação:

“Mediação pressupõe colocar dois interesses opostos e um agente neutro para mediar o conflito e propor uma solução”, explica.

Outro elemento destacado pelo operador do Direito, que acompanha a defesa dos credores trabalhistas, é o período, também previsto em lei, em que se pode fazer essas supostas negociações:

“No caso da Recuperação Judicial, mediação só é possível até a aprovação do plano em assembleia; depois que o plano é aprovado, não se pode fazer emendas nele, exceto se passar por nova assembleia”, explica.

“No caso aqui não tem diálogo; existe uma proposta pronta e que está sendo imposta ‘goela abaixo’; além disso, não tem mediador”.

Neste trecho, documento lembra fator agravante: blindagem proporcionada pela recuperação (em vez de recuperar a empresa – como é a função desse dispositivo legal) serve para manter operação chefiada por condenados pelo STF; Collor e o diretor executivo Luís Amorim. (Foto: reprodução)

Pessoa que integra o grupo de credores, ouvida pelo espaço acrescenta:

“A empresa defende que mediação é possível em qualquer processo, mas nós defendemos, primeiramente, que isso não é uma mediação – porque não há mediador – e nem possibilidades de a gente apresentar contraproposta; isso é no máximo um termo de adesão apenas”.

O plano de recuperação judicial da Organização Arnon de Mello foi aprovado numa controversa assembleia de credores – como o nome diz, uma reunião dos segmentos que têm algo para receber da empresa em processo de RJ.

Estes são divididos conforme a classe a quem pertençam: governo, empresas e os credores trabalhistas, que, sob alguns aspectos, têm prioridade porque as indenizações a quem têm direito são classificadas pela nomenclatura jurídica de verbas de natureza alimentar.

Sob a alegação de que estavam mal das pernas financeiramente, as empresas de Collor propuseram pagar apenas R$ 12,5 mil a cada credor trabalhista – valor que ainda seria dividido em parcelas, e independentemente do tempo de serviço do trabalhador.

Mesmo com proposta de tamanho descaramento, o plano foi aprovado por mais um ardil das empresas: o advogado Felipe Nobre obteve nada menos de 120 procurações de credores trabalhistas.

Por meio dessas procurações, estes credores passaram para o advogado o direito de votar em seu lugar mediante a contrapartida de receber uma parte do valor – com deságio.

Mas, na assembleia de credores, em vez de votar conforme o interesse desses credores e rejeitar o plano, o advogado – que já advogara para as empresas e para a família de Collor – votou no sentido contrário, em favor das empresas, aprovando o plano (na prática, autorizando o pagamento de apenas R$ 12,5 mil).

Advogados de outras regiões, que acompanharam o caso e resolveram dar suporte aos credores, pelo tanto de irregularidades que visualizaram no processo, contestaram a participação de Felipe Nobre, alegaram que essas procurações estavam viciadas, pela forma como forma obtidas e pelo propósito com que foram usadas.

Na época, alguns credores chegaram a cogitar enquadrar a prática como patrocínio infiel, uma irregularidade no exercício da advocacia, em que o representante jurídico de alguém atua no sentido contrário aos interesses de seu cliente.

Tal prática é passível de representação contra o profissional perante o tribunal da OAB.

Como se não bastasse, esses advogados (de escritórios no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e de Brasília–DF) descobriram esvaziamento patrimonial da empresa, que enquanto propunha pagar aquele valor aviltante aos ex-empregados, repassou nada menos que R$ 6 milhões aos sócios – Collor é o sócio majoritário.

Os repasses foram feitos sob a forma de operações de mútuo, empréstimos que não passam por instituições financeiras e muitos valores, já durante o período da recuperação; o que é ilegal.

Questionados sobre como as empresas pretendiam cobrar os valores, os responsáveis pela assembleia e os advogados das empresas não responderam.

Desafio à Justiça: repasse feito a Collor (empresas em situação de recuperação não podem fazer esse tipo de operação) – bem debaixo do olhar das autoridades, quem, pela lei, não pode receber recebe; quem tem o direito se vê ameaçado de levar calote. (Foto: reprodução)

Um mês depois da assembleia de credores, cercada dessas controvérsias – em maio de 2023 –, o juiz Gilvan Santana decidiu não homologar o plano e intimou as empresas a apresentar outro, prevendo condições melhores para a classe trabalhista.

Ele foi um dos cinco juízes que passaram pela 10ª Vara Cível, após idas e vindas do titular, juiz Eric Costa, que se afastou para tratamento de saúde.

Um dos que estiveram à frente da unidade judiciária foi Leo Denisson de Almeida, que concedeu a também questionável liminar mantendo, à força, a sociedade entre Globo e TV Gazeta.

Segundo o jurista ouvido pelo espaço, as empresas de Collor não apresentaram “novo plano; em vez disso, vêm pedindo suspensão do processo para realizar mediação em 60% com os credores trabalhistas”, diz, referindo-se ao percentual que propõem pagar.

“A lei diz que se o juiz entende que o plano não pode ser homologado, que decrete a falência; não existe essa possibilidade de novo plano e nem de mediação com acordos fora do plano”, enfatiza.

Segundo ele, na época, o juiz Gilvan Santana usou como precedente um caso de São Paulo em que o TJ paulista entendeu que um plano, também de recuperação judicial, era inconstitucional para a classe trabalhista.

“Mas no caso de São Paulo, o TJ entendeu por homologar o restante do plano e deixar de fora os credores trabalhistas”, explica o jurista ouvido pelo blog.

“O que estamos cobrando no nosso recurso para o TJ (que até hoje não foi julgado) é que se vão usar o precedente de São Paulo, usem ele até o final: se não vão homologar na classe trabalhista, coloque os credores trabalhistas de fora, como determinou o TJ de São Paulo”.

A justiça local propõe usar um mecanismo legal posto em prática em outro estado – mas, apenas em parte.

“Isso de intimar [as empresas] a fazer novo plano para os trabalhadores e, também, de ficar suspendendo o processo por mais de um ano para fazer essas mediações não tem previsão legal”, enfatiza o jurista.

Na decisão da época (maio de 2023), o juiz Gilvan Santana alegou não ver irregularidades sobre a denúncia de votos viciados em poder do advogado Felipe Nobre.

Os únicos crimes que ele entendeu que existiam eram o esvaziamento patrimonial de R$ 6 milhões para Collor no decorrer do processo.

Como também relembrado pelo espaço, parecer denunciando supostos crimes contra a Lei de Falências foi expedido pelo Ministério Público em outubro de 2022.

Somente dois anos depois, o caso chegou oficialmente à Polícia Civil, embora a corporação já tivesse conhecimento dele desde fevereiro último.

“Mas [sobre] esses crimes, ele disse que deveriam ser investigados pelo MP e que não deveriam parar o processo”, relembra o jurista, referindo-se ao juiz.

Até agora, não há notícia de abertura de inquérito – recomendada no parecer do Ministério Público e reafirmada em ofício, há dois meses, pela Promotoria Criminal responsável – para investigar as empresas de Collor sobre esses supostos crimes.

O espaço procurou o Tribunal de Justiça para se manifestar sobre o caso – e, como solicitado, localizou e passou detalhes para a identificação do processo.

E está aberto às manifestações.

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