Carne, arroz e feijão: quais alimentos podem ficar mais baratos com reforma tributária

Mudança seria imposto zerado ou reduzido, mas, economistas alertam que tirar ou reduzir tributos pode não fazer consumidor pagar menos
Texto aprovado na quarta-feira (10) estabelece a isenção de alimentos para uma lista de 20 categorias, além de conceder um desconto de 60% para outras 15. (Foto: reprodução / Unsplash)

A proposta de regulamentação da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados no último 10 deixa alimentos de 20 categorias isentos de imposto.

E, para outras 15, a alíquota teria um desconto de 60%.

O texto seguiu para análise do Senado.

Ainda que seja aceito sem modificações e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o novo modelo tributário só entra em vigor por completo em 2033.

Mas quanto mais baratos os alimentos podem ficar?

Economistas entrevistados pelo G1 (responsável por esta reportagem) entendem que é difícil calcular esse impacto.

Isso porque reduzir ou tirar o imposto sobre consumo não, necessariamente, terá reflexo no preço final desses produtos.

A principal razão é que o valor com que eles são comercializados não é formado apenas pelos tributos, mas também por outros custos de produção e da empresa.

E mais fatores pesam no preço para o consumidor, como a oferta e a demanda.

Outro ponto que complica o cálculo antecipado é que não existe uma padronização atual da porcentagem de impostos sobre alimentação.

Consultados pelo G1, o Ministério da Fazenda e o Banco Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) afirmaram não ter um levantamento destes valores.

Um levantamento independente do Impostômetro reúne a totalidade de tarifas de alguns alimentos considerando os âmbitos federal, municipal e estadual. Com base nele, veja abaixo a carga tributária dos produtos contemplados na proposta que vai para análise do Senado.

O Impostômetro é uma parceria da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (FACESP), da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio RS) e do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

Hoje em dia, produtos naturais (como frutas, carnes e hortaliças) ou de baixo processamento (como queijos, iogurtes e pães) e alguns itens de higiene e limpeza já são isentos dos impostos federais, como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Já a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual, e do Imposto Sobre Serviços (ISS), municipal, pode variar de acordo com a localidade.

Segundo as bases da reforma tributária, aprovadas em 2023, PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS serão substituídos por três tributos (IBS, CBS e Imposto Seletivo).

O que os parlamentares discutem agora, no caso dos alimentos, é quais vão compor a cesta básica, e terão imposto zero, e quais poderão ter um desconto de 60% no imposto.

Na proposta aprovada pela Câmara, por exemplo, as carnes vermelhas foram incluídas na cesta.

Quais alimentos poderão ter menos impostos?

A reforma tributária estabelece uma cesta básica nacional, com alimentos que terão isenção dos novos impostos. Veja a lista que consta da proposta aprovada na Câmara:

Carne vermelha;

Arroz;

Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica;

Manteiga;

Margarina;

Feijões;

Raízes e tubérculos;

Cocos;

Café;

Óleo de soja;

Farinha de mandioca;

Farinha, grumos e sêmolas, de milho, e grãos esmagados ou em flocos, de milho;

Farinha de trigo;

Aveia;

Açúcar;

Massas alimentícias;

Pão do tipo comum (contendo apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal);

Ovos;

Produtos hortícolas, com exceção de cogumelos e trufas;

Frutas frescas ou refrigeradas e frutas congeladas sem adição de açúcar.

Há ainda a lista de produtos que, apesar de não terem o imposto zerado, terão um desconto de 60%.

Nele, a alíquota para esses alimentos é estimada em 26,5%.

Considerando o benefício, esses itens ficariam taxados em 10,6%.

Confira abaixo quais as 15 categorias que seriam beneficiadas, segundo o texto que ainda precisa ser aprovado no Senado:

Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras) e miudezas comestíveis de ovinos e caprinos;

Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos);

Crustáceos (exceto lagostas e lagostim);

Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;

Plantas e produtos de floricultura relativos à horticultura e cultivados para fins alimentares, ornamentais ou medicinais;

Queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino;

Mel natural;

Mate;

Farinha, grumos e sêmolas, de cerais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais;

Tapioca e seus sucedâneos;

Massas alimentícias;

Sal de mesa iodado;

Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes;

Polpas de frutas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes

Óleos de milho, aveia, farinhas.

Menos imposto significa mais barato?

Enquanto houver um público que consegue comprar pelo preço que já é comercializado, dificilmente a indústria irá abaixar os preços, aponta Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Outro ponto que dificulta prever o barateamento com uma redução dos tributos é que existem impostos que as empresas vão continuar pagando, como o que é cobrado sobre o lucro e o Imposto de Renda.

Para não diminuir a sua margem de lucro, elas costumam adicionar esses valores no preço final do produto, afirma Cristiano Correa, professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec SP).

“Então, não é que vai deixar de existir o imposto, é que simplesmente a gente não vai arrecadar de forma indireta, né?”

“Essa arrecadação vai ser sobre o resultado lá na frente”.

“No caso da cesta básica, a gente não terá sobre consumo, mas terá sobre resultado”, explica o economista.

Wanessa Pinheiro, sócia de Tributos Indiretos da consultoria e auditoria Grant Thornton, tem uma visão mais positiva.

A especialista em tributos indiretos entende que, após a reforma, produtores focados em alimentos da cesta básica poderão ficar isentos de outros tributos, como os gastos nas compras de matérias-primas.

Com isso, haveria mais uma despesa a ser subtraída do valor no comércio.

Como ficam os outros alimentos

Na lista anteriormente prevista para reforma tributária, apenas 15 alimentos iriam ter isenção do imposto e houve uma resistência dos parlamentares em acrescentar as carnes na lista.

Isso porque o cálculo da equipe econômica do governo apontava que, com a isenção, a alíquota do imposto único deveria aumentar cerca de 0,53 ponto percentual, incidindo sobre os demais produtos, para manter a arrecadação tributária como está hoje.

A Câmara não esclareceu que medida de compensação será feita para a inclusão das proteínas animais nos alimentos isentos.

Isso porque a reforma tributária estabeleceu a alíquota geral de 26,5% como teto.

Para Serigati, é importante pontuar que ainda não se sabe ao certo qual será o tributo final. O valor deve ser esclarecido conforme a discussão avançar.

“Olha, não tem mágica”.

“Se você perde arrecadação por um lado, você precisa compensar essa de outro”, afirma Correa.

Na lista anterior, a tributação da carne vermelha teria um desconto de 60% da alíquota.

Na proposta aprovada na Câmara, ela ficaria isenta.

“Então, imagina que eu perdi 40% de arrecadação.

De alguma forma, esses 40% precisam ser compensados”, diz o economista.

Com isso, na visão de Correa, para fechar a conta, outros itens terão que ser submetidos ao Imposto Seletivo, conhecido como do imposto do pecado, que incide sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (categoria na qual se incluem veículos poluentes).

Contudo, ele afirma que o novo sistema será mais eficiente, e, portanto, é possível ter um aumento de arrecadação pelo governo.

Pinheiro concorda com a visão de Correa:

“Essa questão de beneficiar alguns setores é para fomentar justamente a economia e o crescimento do país”.

“Isso quer dizer que quanto mais setores a gente tem beneficiado, mais teremos setores com uma alíquota maior”, diz.

Vivian Souza — G1

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