Os eleitores argentinos voltam às urnas neste domingo (19) para escolher o próximo presidente na eleição presidencial mais disputada das últimas décadas.
Estão no páreo o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, da União Popular, e o oposicionista ultraliberal Javier Milei, do A Liberdade Avança (saiba mais sobre os candidatos abaixo).
Em jogo, está o governo de um país mergulhado em uma das piores crise econômicas da história recente do país, com mais de 100% de inflação, e o começo de uma nova etapa política.
Seja qual for o resultado, este pleito, na avaliação de especialistas, marcará o fim de uma era na Argentina – a do kirchnerismo, que começou há exatos 20 anos com a eleição de Nestor Kirchner, substituído depois por sua esposa, Cristina Kirchner.
Isso porque Massa, embora seja um candidato do governo, já afirmou que Cristina Kirchner não terá lugar em sua eventual gestão – atualmente, ela é vice do atual presidente, Alberto Fernández, que se elegeu apoiado pelo kirchnerismo.
Veja abaixo os principais fatos que marcaram as últimas semanas da disputa presidencial argentina:
Disputa acirrada
Os eleitores chegam às urnas em um clima de grande incerteza: as pesquisas apontam um empate técnico entre Massa e Milei, com ligeira vantagem para o ultraliberal.
No primeiro turno, Massa surpreendeu e terminou em primeiro, com 36,68% dos votos – pesquisas apontavam que ele poderia ser castigado nas urnas por estar à frente da pasta de Economia em meio à crise.
Já Mieli, que era considerado favorito por ter tido mais votos nas primárias que o país realiza – as chamadas Paso –, ficou em segundo, com 29,98%.
As pesquisas, no entanto, também lidam com um fator relativamente novo: esta é apenas a segunda vez desde 1994 – quando a Argentina passou por uma reforma constitucional – em que a decisão vai ser tomada no 2º turno.
Além da incerteza, os eleitores também irão às urnas sob o clima de medo e raiva, de ambos os lados. Os índices de rejeição dos dois candidatos passam de 50%.
Milei ganha Bullrich; Massa, o debate
Candidatos na Argentina encerram campanha sob clima de incerteza e forte rejeição
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Por isso, a campanha do segundo turno foi bastante diferente.
Milei moderou o tom e fechou a boca para discursos polêmicos que não havia economizado no primeiro turno. As promessas de dolarizar a economia e fechar o Banco Central quase não foram mencionadas pelo candidato na etapa final, exceto quando ele foi questionado sobre os temas.
Contou a favor de Javier Milei a declaração de apoio por parte de Patrícia Bullrich, candidata que ficou em 3º lugar no primeiro turno, com 24% dos votos.
Já Sergio Massa conseguiu se distanciar das críticas às políticas econômicas do governo do qual faz parte. E, no único debate televisivo entre os dois candidatos durante a campanha do segundo turno, no último domingo (12), conseguiu deixar de ser alvo para se tornar o atacante.
Deixou o adversário acuado com uma chuva de questionamentos e foi considerado o campeão do debate, em que a relação com governo brasileiro foi um dos pontos de enfrentamento.
Na quinta-feira (16), às vésperas da eleição, a equipe de Milei apresentou uma queixa à Justiça, citando fontes anônimas, sobre uma suposta atuação da polícia – que faz a escolha das urnas e documentos usados na votação – para favorecer Massa. A juíza eleitoral que analisou a denúncia, entretanto, descartou a existência de fraude.
Vargas Llosa com Milei, Darín com Massa
Com a confirmação de Massa e Milei no segundo turno, e na carona da forte rejeição dos dois candidatos, personalidades da cultura e da política começaram a se posicionar.
O ator argentino Ricardo Darín declarou apoio e fez campanha para Sergio Massa.
Já o escritor peruano Mário Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura, anunciou apoio a Javier Milei, assim como 9 ex-presidentes de direita de países latino-americanos, como Iván Duque e Andrés Pastrana, da Colômbia, Felipe Calderón e Vicente Fox, do México, e Sebastián Piñera, do Chile (Jair Bolsonaro já o havia feito no primeiro turno).
O uso da IA na campanha
Junto de todas as outras polêmicas, uma novidade surgiu na campanha eleitoral argentina, principalmente a do segundo turno: o uso da inteligência artificial de forma ampla e com o intuito de conquistar eleitores ou difamar o concorrente.
Em um dos casos mais divulgados, a equipe de Sergio Massa criou um filme falso que simulava Milei explicando como funcionaria o mercado de venda de órgãos, uma ideia que o candidato libertário cogitou legalizar durante a campanha do primeiro turno.
“Imagine ter filhos e pensar em cada um deles como um investimento a longo prazo”, diz a simulação de Milei no vídeo.
Uma reportagem do jornal “The New York Times” sobre o uso da IA na campanha argentina aponta, a partir de especialistas ouvidos pela publicação, a probabilidade de que o país latino-americano tenha inaugurado essa nova dinâmica, que agora pode ser reproduzida em eleições democráticas no resto do mundo.
Relação com o Brasil
As relações com o vizinho Brasil também permearam o segundo turno da campanha. Milei moderou o tom, mas, no primeiro turno, já havia dito que não quer diálogo com o presidente Lula caso seja eleito.
Durante o debate, Sergio Massa quis bater nessa tecla, e condenou o adversário afirmando que “relações diplomáticas não se fazem com ideologia”.
Milei, ao longo da campanha, também já ameaçou retirar a Argentina do Mercosul e, também, se diz contra a adesão de seu país ao Brics – bloco que inclui hoje Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e pode receber, além da Argentina, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã.
Na terça-feira (14), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o país vizinho é “muito importante” para o Brasil e que precisa eleger um presidente que “goste de democracia – no primeiro turno, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se disse preocupado por uma possível vitória de Milei.
A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, e o principal parceiro econômico do Brasil na América do Sul.
“É preciso ter um presidente que goste de democracia, que respeita as instituições, que goste do Mercosul, que goste da América do Sul e que pensa na criação de um bloco importante”, disse ele.
Sergio Massa: uma escolha de última hora
Sergio Massa, de 51 anos, o atual ministro da Economia da Argentina, enfrentou dificuldades dentro de sua própria coligação para se estabelecer como o candidato à presidência.
Ele é considerado um dos políticos mais ortodoxos da frente União pela Pátria, a coligação governista.
Representante da coligação peronista União pela Pátria, Sergio Massa é advogado e está há mais de 20 anos na política. Ele se diz peronista — corrente bastante ampla na política argentina que, basicamente, designa aqueles identificados com o ex-presidente Juan Domingo Perón.
Massa conquistou o primeiro cargo eletivo em 1999, quando foi eleito deputado estadual de Buenos Aires. Em 2002, durante o governo de Eduardo Duhalde, foi nomeado diretor do órgão responsável pelas aposentadorias no país — cargo que manteve durante toda presidência de Néstor Kirchner.
Em 2008, já no governo de Cristina Kirchner, mulher de Néstor, ele chegou ao cargo de chefe de gabinete da presidente — posto que ocupou por cerca de um ano.
Propostas de Massa
Durante a campanha eleitoral, Massa declarou em mais de uma oportunidade que pretende implementar um “governo de unidade nacional”, que incorpore não apenas partidos de oposição, mas também empresários, empreendedores, sindicalistas, representantes de movimentos sociais e acadêmicos.
“Quero ser presidente da união nacional, quero inaugurar uma nova etapa no país, com diálogo, convivência democrática e busca por consensos”, afirmou ele. “Sonho com um país em que deixemos para trás as diferenças e a polarização”.
Como ministro da Economia em um momento que a moeda argentina, o peso, sofre forte desvalorização e a inflação acumula 142,7% em 12 meses (maior taxa em 32 anos), Massa vem sendo questionado sobre como pretende resolver o problema da alta dos preços.
Em entrevista nesta terça-feira (15), ele afirmou que pretende “derrotar a inflação em 2024” por meio da recuperação das exportações.
Também disse que quer buscar o “déficit zero” por meio de mudanças na administração pública, redução dos gastos públicos e “unificação de empresas públicas”.
Em relação ao Fundo Monetário Internacional, Massa pretende rediscutir o programa de pagamento da dívida da Argentina.
A plataforma eleitoral de Massa submetida à Justiça Eleitoral é baseada em quatro pilares: novo pacto democrático, independência econômica, soberania popular e justiça social. Entre as principais propostas elencadas no documento oficial estão:
Javier Milei: o ultraliberal que surpreendeu
Javier Milei, de 53 anos, é um economista ultraliberal que se lançou ao cargo de presidente da Argentina pela coligação A Liberdade Avança, que ele mesmo criou.
Ele ficou famoso na Argentina por suas participações em programas televisivos. Durante a pandemia, em protestos contra o confinamento que o governo havia imposto para evitar o contágio, o economista acabou se tornando um político.
Milei afirma que resolveu se tornar político por um chamado de Deus (ele é católico, apesar de ter criticado o Papa Francisco, dizendo que o líder da Igreja tem afinidade com comunistas assassinos).
Em seu discurso anti-establishment, ele caracteriza os políticos como uma casta que seria a culpada pelos problemas econômicos argentinos. A pregação deu certo: multidões foram aos comícios dele, e os apoiadores, em sua maioria homens jovens, são eufóricos e participativos.
Em 2021 ele se candidatou ao cargo de deputado federal pela cidade de Buenos Aires e surpreendeu: o partido dele foi a terceira força mais votada.
Proposta de governo
A retórica inflamada é uma das características marcantes do economista ultraliberal, que fez de suas propostas econômicas suas principais bandeiras de campanha. Duas delas, em especial, são as consideradas mais polêmicas:
Milei propõe a “dolarização da economia”, que pretende levar à substituição da moeda nacional peso pelo dólar. O modelo já foi adotado por outros países da região, como o Equador.
O presidente eleito também falou várias vezes que quer “dinamitar” o Banco Central, acabando com a instituição responsável pela política monetária da Argentina.
Durante a campanha eleitoral, ele também disse que quer promover uma desregulamentação para compra de armas pelos cidadãos e se colocou contra o aborto e à educação sobre questões de gênero nas escolas públicas.
G1